A Finlândia, conhecida por décadas como referência mundial em educação, enfrenta uma queda significativa nos seus indicadores de desempenho escolar. A educação finlandesa que já foi reconhecida como uma das melhores do mundo, ocupando o topo dos rankings internacionais, enfrenta desafios e busca respostas para compreender os motivos desse declínio. Neste artigo, vamos analisar os principais dados sobre essa queda, entender suas causas e destacar os aprendizados que o Brasil pode extrair desse cenário.
O modelo que encantou o mundo
No início dos anos 2000, a educação finlandesa despontou como referência global graças a um modelo centrado na confiança docente, na autonomia pedagógica e no desenvolvimento integral dos alunos. Com menor carga horária, pouco foco em testes padronizados e formação sólida de professores, a Finlândia superou potências como Japão e Coreia do Sul nos resultados do PISA.
Outro diferencial era a ausência de uma cultura escolar com base na competitividade. Não havia rankings internos ou pressão por desempenho. O ambiente escolar era pensado para formar cidadãos autônomos, criativos e com pensamento crítico. Isso gerou uma comoção mundial: livros, reportagens, documentários e até legislações em diferentes países passaram a mirar no modelo finlandês.
Mas os sinais de alerta surgiram
Desde 2006, os resultados da Finlândia no PISA estão em queda constante. Em 2022, o país registrou:
- Sua pior média em leitura, abaixo dos EUA;
- Queda abaixo da média da OCDE em matemática;
- Redução de 47 pontos em ciências e 59 em matemática desde 2006;
- 15º lugar no TIMSS 2023 em matemática para alunos do 8º ano.
Esses dados se somam a outros problemas: aumento da ansiedade estudantil, queda na satisfação com a escola e uso excessivo de tecnologia entre crianças e adolescentes.
Especialistas apontam que a tendência de queda não é pontual, mas consistente. Ela não reflete apenas uma geração, mas uma mudança estrutural nos resultados de aprendizagem. Isso levou o governo, as escolas e a sociedade a repensarem o rumo das políticas educacionais.
O papel da flexibilização curricular
Implementada em 2016, a nova base curricular buscava integrar disciplinas em projetos interdisciplinares, promovendo protagonismo e autonomia. Mas segundo o atual ministro da Educação, Anders Adlercreutz, houve um “exagero”: alunos passaram a perder o foco no conhecimento básico.
A ideia presente na educação finlandesa era moderna: formar estudantes para a vida, para resolver problemas reais e atuar de forma colaborativa. No entanto, ao diluir as disciplinas tradicionais, houve perda de referências essenciais, como o raciocínio matemático formal e a leitura analítica de textos.
Esse ponto também foi analisado por educadores da OCDE, que destacam que inovações curriculares exigem monitoramento constante e só têm impacto positivo quando acompanhadas por políticas de formação docente e avaliação diagnóstica eficazes.
Outros fatores em jogo
A forte digitalização precoce — com aumento de 68% no uso de tecnologia em cinco anos — e a chegada de imigrantes com desafios linguísticos também contribuíram. Além disso, os impactos da pandemia acentuaram dificuldades, especialmente nas séries iniciais.
Estudos como os publicados pelo Education Policy Institute e pela Universidade de Helsinque indicam que a relação com as telas precisa de mediação ativa, sob pena de comprometer o foco e as interações presenciais.
As respostas da Finlândia à crise
O governo finlandês iniciou uma série de ajustes:
- Proibição do uso de celulares nas escolas;
- Reforço na carga horária de matemática e literatura;
- Reequilíbrio entre liberdade pedagógica e estrutura curricular.
Essas medidas visam resgatar o essencial na educação finlandesa, sem abrir mão dos pilares de formação docente, bem-estar e autonomia.
Para os especialistas do país, trata-se de um processo de “recalibragem”. Não é uma negação dos avanços do passado, mas um reconhecimento de que sistemas educacionais são organismos vivos, que precisam se adaptar constantemente a novas realidades.
E o que o Brasil tem a ver com isso?
A lição mais importante é clara: não existe modelo infalível. Mesmo sistemas considerados exemplares precisam de revisão constante, com base em dados e escuta das escolas.
O Brasil, com suas desigualdades estruturais e desafios históricos de aprendizagem, deve olhar com atenção para esse exemplo. O risco de abraçar modismos educacionais sem evidências claras pode levar a retrocessos ainda mais graves.
Três aprendizados centrais para o Brasil
- Equilíbrio é essencial: liberdade exige direção clara; tecnologia precisa de mediação e finalidades bem definidas.
- Importação de modelos requer contexto: o que é eficaz em um sistema educacional homogêneo e consolidado pode ser ineficaz em realidades marcadas por desigualdade, como é o caso de muitos territórios brasileiros.
- Gestão baseada em evidências: é preciso agir com base em diagnósticos confiáveis, pesquisas atualizadas e escuta ativa das escolas e das redes.
Além disso, é fundamental reconhecer que os fundamentos da educação — alfabetização, leitura crítica, resolução de problemas — precisam ser garantidos antes de qualquer tentativa de inovação curricular mais complexa. Como mostra o INAF e outros indicadores nacionais, o Brasil ainda está longe de consolidar essas habilidades em grande parte da população escolar.
Em relatório recente, o Todos Pela Educação e o Instituto Reos Partners destacaram que a ausência de um “chão de aprendizagem mínima” é o principal entrave para o salto de qualidade que o país precisa dar. Por isso, inspirar-se em modelos como o finlandês deve vir acompanhado de um realismo pedagógico e da capacidade de priorizar o que é essencial.
Conclusão
A crise na educação finlandesa mostra que nenhum sistema educacional está imune a desafios. Mas também mostra que é possível reagir com coragem, humildade e foco no essencial. O Brasil, que ainda enfrenta desafios básicos como alfabetização e permanência escolar, tem muito a aprender com esse processo.
Quer entender melhor o que está acontecendo na Finlândia e quais lições podemos aplicar por aqui?
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