O Impacto do SiSU na evasão universitária: o que os dados revelam e como gestores podem agir

Por que estudantes que ingressam pelo SiSU apresentam taxas de desistência até três vezes maiores nos primeiros semestres?

Desde sua criação em 2010, o Sistema de Seleção Unificada (SiSU) revolucionou o acesso ao ensino superior público brasileiro. Com uma única prova, o Enem, estudantes de todo o país podem concorrer a vagas em universidades federais sem custos adicionais de inscrição ou deslocamento físico. A promessa era clara: democratizar o acesso à educação superior.

Mas um dado importante, revelado por estudos recentes de três importantes universidades federais, apontam um padrão preocupante: a evasão nos primeiros semestres é significativamente maior entre estudantes que ingressam pelo SiSU quando comparados àqueles que entram por vestibulares tradicionais ou processos seriados.

 

Os números que não podem ser ignorados

Em três universidades federais diferentes, o padrão se repete: a evasão nos primeiros semestres é significativamente maior entre estudantes do SiSU.

Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB)

Um estudo de 2017 mostra que em 2011, segundo ano de uso do SiSU na instituição, a taxa de evasão atingiu 48,6%, o que representou quase metade dos alunos ingressantes. Os dados revelam uma curva ascendente preocupante: quanto mais consolidado o SiSU, maior a evasão inicial.

Universidade Federal da Bahia (UFBA)

Pesquisa publicada em 2020 analisou 128 alunos ingressantes em bacharelados interdisciplinares no ano de 2016. O resultado é preocupante: 62,44% não estavam no curso que realmente desejavam. Esses estudantes escolheram seus cursos baseando-se apenas na pontuação obtida no Enem, usando o bacharelado interdisciplinar como estratégia de entrada na universidade.

Universidade de Brasília (UnB)

O estudo mais revelador foi publicado em 2021. A UnB possui três formas diferentes de ingresso, permitindo uma comparação direta entre os sistemas com estudantes da mesma instituição, nos mesmos cursos:

– PAS (Programa de Avaliação Seriada)
– Vestibular tradicional
– SiSU 

Os resultados são contundentes: no primeiro ano de curso, a taxa de desistência anual do SiSU é três vezes maior que a maior taxa observada no PAS ou no vestibular tradicional. Enquanto o PAS e o vestibular apresentam taxas de desistência no primeiro ano em torno de 5%, o SiSU registra taxas próximas de 18%.

No segundo ano, a discrepância ainda permanece significativa, embora um pouco menor. Somente a partir do terceiro ano as taxas entre os três sistemas começam a se aproximar.

 

5 motivos para a evasão

A resposta está na dinâmica do próprio sistema e nas estratégias que os candidatos desenvolveram para lidar com ele.

Infográfico intitulado “5 Motivos do Abandono Universitário”. Ele mostra cinco causas principais, cada uma com ilustrações: Escolha Estratégica, não Vocacional — Um estudante escolhe o curso pela nota de corte, e não por afinidade. A imagem traz uma bússola e duas portas representando decisão por pontuação versus interesse pessoal. Vínculo Frágil com a Instituição — A falta de identificação prévia com a universidade resulta em baixo comprometimento. A ilustração mostra uma ponte quebrando e um grupo de estudantes distantes da instituição. Distância Geográfica e Falta de Planejamento — O aluno passa longe de casa e subestima custos financeiros. A imagem inclui uma mala, um estudante preocupado e um preço elevado simbolizando os gastos. Curso como “Porta de Entrada” — O estudante escolhe um curso mais fácil para entrar, já planejando mudar. A arte mostra portas A e B, com o aluno correndo para acessar o segundo curso. Reflexão Insuficiente sobre a Escolha — Decisões apressadas baseadas em ranking e classificação em tempo real. A imagem traz um cronômetro e uma tela de ranking.
Principais fatores que levam estudantes a desistirem da graduação

 

1. Escolha estratégica vs. escolha vocacional

Como o candidato pode mudar de opção durante a janela de inscrição, acompanhando sua classificação em tempo real, muitos terminam optando pelo curso em que conseguem passar, e não pelo curso que realmente desejam. É uma escolha baseada na nota, não na vocação ou projeto de vida.

2. A questão geográfica subestimada

O sistema permite listar duas opções que podem ser em instituições de estados diferentes, sem que o candidato tenha refletido adequadamente sobre custos de moradia, deslocamento e adaptação a uma nova cidade. Quando o estudante é aprovado longe de casa, a empolgação inicial frequentemente dá lugar à dura realidade financeira e emocional.

3. O SiSU como porta de entrada

Muitos estudantes utilizam o SiSU apenas como porta de entrada na universidade, planejando desde o início mudar de curso assim que possível. O estudo da UFBA confirmou: estudantes usam cursos menos concorridos como estratégia para entrar na instituição e depois migrar internamente.

4. Fragilidade do vínculo institucional

Diferente do vestibular tradicional, onde o candidato demonstrou interesse pela instituição ao pagar a taxa e fazer a prova específica, no SiSU essa demonstração de interesse é muito mais frágil. O candidato pode estar concorrendo a diversas vagas diferentes, em instituições que mal conhece.

5. Falta de reflexão prévia

Quando a escolha é feita de forma apressada, baseada apenas nos números de classificação, o estudante não desenvolve o comprometimento necessário para enfrentar as dificuldades iniciais do curso.

 

O padrão temporal: a evasão acontece cedo

Um dado crucial para entendermos o problema é quando a evasão acontece.

Linha do tempo comparativa da evasão na UnB entre ingressantes pelo SiSU e pelo PAS/Vestibular, mostrando taxas mais altas no SiSU no 1º ano (18%) e convergência progressiva até o 4º ano, quando os índices se igualam em 4%.
Evasão na UnB ao longo dos anos: comparativo entre ingressantes pelo SiSU e pelo PAS/Vestibular

 

No caso do SiSU, a evasão se concentra nos primeiros semestres do curso. O estudo da UnB mostrou que as taxas de desistência do SiSU no primeiro e segundo ano são muito superiores, mas a partir do terceiro ano elas se igualam aos outros sistemas.

Isso nos diz algo importante: não é uma questão de capacidade acadêmica dos estudantes selecionados pelo SiSU. Se fosse, veríamos taxas elevadas durante todo o curso. O problema está relacionado à escolha do curso e às condições de permanência logo após o ingresso.

Os estudantes que ficam, aqueles que superam os dois primeiros anos, têm desempenho similar aos demais. A evasão do SiSU é, portanto, uma evasão de escolha equivocada e de dificuldades de permanência inicial, não de incapacidade acadêmica.

 

O que revelam as motivações e expectativas

O estudo da UFBA investigou as motivações e expectativas dos estudantes que ingressaram pelo SiSU e identificou três grandes grupos de fatores motivacionais:

Suporte social percebido

A decisão de ingressar no ensino superior foi fortemente influenciada pela família e amigos. A pressão social pelo diploma é real e determinante.

Motivação pessoal

Busca por realização pessoal e desenvolvimento de novas competências aparecem como fatores importantes, mas frequentemente secundários.

Influência do mercado de trabalho

A percepção de que o mercado exige cada vez mais o diploma de nível superior é determinante. Há uma visão pragmática: “sem ensino superior não é fácil no Brasil”.

A descoberta mais reveladora

Os estudantes esperam mais da universidade e de seus benefícios do que do curso em si. Eles falam em aproveitar programas de assistência estudantil, fazer intercâmbios, construir networking. Mas falam pouco sobre o conteúdo do curso que escolheram ou sobre a profissão que exercerão.

Isso reforça a percepção de que muitos utilizam o SiSU como uma estratégia de entrada, não como uma escolha profissional madura.

 

Orientações para gestores e orientadores educacionais

Diante desses dados, o que você, gestor educacional ou orientador, pode fazer para ajudar seus alunos?

1. Trabalhe a escolha profissional muito antes do Enem

Não basta preparar o aluno para fazer uma boa prova. É preciso ajudá-lo a refletir sobre seus interesses, habilidades e projetos de vida. Programas de orientação vocacional nas escolas são fundamentais para reduzir escolhas baseadas apenas na nota de corte.

Ação prática: Implemente programas de orientação vocacional a partir do 1º ano do Ensino Médio, não apenas no 3º ano.

2. Explique a dinâmica do SiSU e seus riscos

Muitos estudantes não compreendem que aqueles dias de troca de opções, embora pareçam uma vantagem, podem levá-los a decisões precipitadas. Oriente-os a definir suas prioridades antes de começar a acompanhar as notas de corte.

Ação prática: Crie simulações da janela do SiSU para que os alunos entendam a pressão psicológica do processo.

3. Discuta concretamente as condições de permanência

Se o aluno está considerando uma universidade em outro estado, ajude-o a calcular custos reais de moradia, alimentação e transporte. Apresente informações sobre programas de assistência estudantil, mas seja realista quanto às limitações desses programas.

Ação prática: Desenvolva planilhas de custos de vida nas principais cidades universitárias e compartilhe com os alunos.

4. Incentive visitas e conversas

Quanto mais o aluno conhecer a instituição e o curso antes de se matricular, menor a chance de uma escolha equivocada. Incentive visitas às universidades e conversas com estudantes e professores dos cursos de interesse.

Ação prática: Organize visitas guiadas a universidades locais e convide universitários para palestras na escola.

5. Redefina o objetivo final

Ajude os alunos a entenderem que entrar na universidade não é o objetivo final, mas o início de uma jornada. É melhor ingressar num curso pelo qual se tem real interesse, mesmo que seja numa universidade menos prestigiada, do que entrar em qualquer curso apenas por estar numa instituição renomada.

Ação prática: Compartilhe histórias de sucesso de ex-alunos que fizeram escolhas conscientes, não necessariamente as mais “prestigiadas”.

6. Trabalhe em parceria com as famílias

O estudo da UFBA mostrou que o suporte familiar é um fator importante na decisão dos estudantes. Famílias bem informadas sobre o funcionamento do SiSU e sobre as implicações das escolhas podem ser aliadas fundamentais nesse processo.

Ação prática: Realize reuniões específicas com pais sobre o SiSU, suas vantagens e desafios.

7. Destaque oportunidades e responsabilidades

O SiSU tem méritos reais na democratização do acesso. O problema não é o sistema em si, mas o uso estratégico que se faz dele sem a devida reflexão sobre suas consequências.

Ação prática: Apresente o SiSU de forma equilibrada, destacando tanto oportunidades, quanto responsabilidades.

8. Crie programas de acompanhamento pós-ingresso

Para escolas que mantêm contato com ex-alunos, considere criar grupos de apoio para calouros, especialmente nos primeiros semestres, quando a evasão é mais crítica.

Ação prática: Estabeleça um canal de comunicação com ex-alunos universitários para monitoramento e suporte nos primeiros semestres.

 

O Desafio da permanência

Os dados que analisamos revelam um cenário complexo. Por um lado, o SiSU cumpriu sua promessa de ampliar o acesso ao ensino superior público, reduzindo barreiras financeiras e geográficas. Por outro lado, esse acesso mais fácil não garantiu a permanência.

As taxas de evasão nos primeiros semestres são significativamente maiores entre os ingressantes pelo SiSU quando comparados a processos seletivos tradicionais. Isso não significa que o SiSU deva ser descredibilizado, mas sim que precisa ser melhor compreendido por todos os atores envolvidos:

  • Gestores educacionais precisam desenvolver programas robustos de orientação profissional
  • Universidades precisam criar estratégias de acolhimento e permanência específicas para estudantes que ingressam pelo SiSU
  • Candidatos precisam ser orientados a fazer escolhas mais conscientes, mesmo diante do impulso de optar pelo curso que a nota permite

A democratização do acesso só se completa quando garantimos também as condições para a permanência e para a conclusão do curso. Dados de evasão não são apenas números: representam projetos de vida interrompidos, recursos públicos desperdiçados e oportunidades perdidas.

Como educadores, temos a responsabilidade de ajudar nossos alunos a fazerem escolhas que levem não apenas ao ingresso, mas também ao sucesso em suas trajetórias universitárias. O SiSU é uma ferramenta poderosa de inclusão, cabe a nós garantir que seja usada com sabedoria.

Quer se aprofundar no assunto? Confira o vídeo completo no Canal Radar do Educador:

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Fontes:

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