O país enfrenta uma crise no processo de aprendizagem: mais de 40 milhões de brasileiros são analfabetos funcionais. Isto significa que, mesmo que já tenham frequentado a escola, possuem dificuldades em compreender e aplicar habilidades de leitura, interpretação de texto, escrita e operações matemáticas simples em atividades cotidianas. Entender uma instrução, ler um rótulo de produto ou conferir a nota fiscal em um supermercado podem ser tarefas complexas no dia a dia destas pessoas. O analfabetismo funcional traz impactos diretos na desigualdade social, com consequências na redução de oportunidades de trabalho, no acesso à informação e no desenvolvimento pessoal.
A face oculta da alfabetização
Muito se fala sobre o analfabetismo no Brasil, mas poucos compreendem a real dimensão do analfabetismo funcional, uma condição que atinge mais de 40 milhões de brasileiros entre 15 e 64 anos, segundo o INAF 2024. Isso representa 29% da população nessa faixa etária. Mais preocupante ainda: esse número permanece estagnado há seis anos, mesmo com o aumento do acesso à escola e de anos de escolaridade.
Estamos diante de uma crise silenciosa e estrutural. Uma crise que se esconde atrás de estatísticas de matrícula e aprovação, mas que revela desafios estruturais profundos: alunos que recebem diplomas sem, de fato, dominarem a leitura e a escrita em nível funcional.
O que é o analfabetismo funcional?
Diferente do analfabetismo absoluto, que se refere à incapacidade de ler ou escrever palavras simples, o analfabetismo funcional diz respeito a indivíduos que conseguem decodificar textos curtos, mas não os compreendem plenamente. Isso inclui dificuldades em interpretar informações, realizar operações matemáticas básicas e interagir com contextos digitais de forma autônoma.
Níveis de alfabetismo, segundo o INAF (Indicador de Alfabetismo Funcional):
- Analfabeto – incapaz de ler ou compreender um bilhete simples.
- Rudimentar – reconhece palavras e números, mas com dificuldade de interpretar frases.
- Elementar – entende trechos curtos, mas não relaciona informações.
- Intermediário – compreende textos mais longos e realiza inferências básicas.
- Proficiente – lê, interpreta e age com autonomia em diferentes contextos.
Os dois primeiros níveis configuram o analfabetismo funcional; o terceiro é uma fronteira tênue. Apenas os dois últimos representam um alfabetismo consolidado.
Os dados da estagnação educacional
Analisar o INAF 2024 é confrontar uma realidade alarmante:
- 29% da população entre 15 e 64 anos é funcionalmente analfabeta.
- 51% das pessoas entre 50 e 64 anos estão neste grupo.
- Entre os jovens de 15 a 29 anos, 22% também não são plenamente alfabetizados.
- 17% dos concluintes do ensino médio e 12% dos que chegaram ao ensino superior ainda não dominam habilidades básicas de leitura e escrita.
As desigualdades são evidentes:
- Nordeste: 42% de analfabetismo funcional.
- Pessoas pretas e pardas: percentuais significativamente mais altos.
- Municípios pequenos: índices consistentemente piores.
Esses números evidenciam que o desafio da alfabetização funcional está diretamente relacionado às desigualdades socioeconômicas e territoriais, exigindo políticas públicas que levem em conta a diversidade do país.
O que acontece dentro da escola?
Quando a alfabetização inicial não é consolidada, surgem dificuldades que se acumulam, especialmente no Ensino Fundamental II, quando os conteúdos se tornam mais complexos.
Isso gera salas heterogêneas, professores sobrecarregados e alunos desmotivados. A desconexão entre escolarização formal e desenvolvimento cognitivo é evidente: avança-se de série, mas sem acompanhar o nível de complexidade dos textos e conteúdos. O resultado é evasão, medo, frustração e uma escola que não cumpre seu papel.
A instabilidade nas políticas públicas
O Brasil criou diversos programas desde os anos 2000: PNAIC, Mais Alfabetização, PNA e Criança Alfabetizada. Contudo, os dados do INAF mostram que esses esforços não surtiram o efeito esperado.
Entre os principais motivos:
- Descontinuidade política: cada governo lança um programa novo, sem articulação com os anteriores.
- Foco em escolarização, não em aprendizagem.
- Formação docente frágil e sem suporte contínuo.
- Avaliações pouco conectadas à prática pedagógica.
- Despreparo para alfabetizar em contextos digitais.
A alfabetização funcional não é uma etapa superada no Ensino Médio. Ela deveria ser garantida já nos primeiros anos escolares e sua ausência compromete o acesso a todos os demais direitos educacionais e sociais.
Alfabetizar de verdade: um compromisso com o futuro
O analfabetismo funcional é uma das faces mais cruéis da desigualdade educacional no Brasil. Ele não aparece nas estatísticas de aprovação, mas marca profundamente a vida dos estudantes que não conseguem ler o mundo e, por isso, não conseguem transformá-lo.
Precisamos recolocar a alfabetização no centro da política educacional, com ações estruturantes:
- Formação continuada para professores.
- Avaliações diagnósticas e formativas.
- Políticas públicas consistentes e com escuta das escolas.
- Reconhecimento da centralidade da alfabetização para toda a aprendizagem.
Conclusão
Ainda há tempo. Cada educador que revê sua prática, cada gestor que toma decisões com base em evidências, cada rede que transforma metas em ações pedagógicas está contribuindo para alfabetizar, de verdade, o Brasil.
Se esse tema fez sentido para você, confira o vídeo sobre analfabetismo funcional no Canal Radar do Educador no YouTube:
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