Menino sorridente sentado em sala de aula, olhando para a câmera, com livros abertos à sua frente. A imagem ilustra os resultados positivos da experiência de Sobral na educação.

O que gestores escolares podem aprender com a experiência de Sobral?

Excelência possível, mesmo em cenários adversos

Por muito tempo, buscamos modelos educacionais de excelência fora do Brasil — como Finlândia, Singapura ou Coreia do Sul. No entanto, talvez o caso mais inspirador esteja mais perto do que imaginamos: no interior do Ceará. A trajetória de Sobral, que saltou da 1.366ª colocação no IDEB para o topo do ranking nacional, mostra que é possível transformar radicalmente um sistema educacional público, mesmo em contextos de pobreza e desigualdade. Este artigo explora o que está por trás desse sucesso e o que gestores escolares de todo o Brasil podem aprender com ele.

O ponto de partida: problema real, não metas genéricas

Tudo começou com um diagnóstico. Em 2000, uma avaliação mostrou que 48% dos alunos do 2º ano do ensino fundamental em Sobral não sabiam ler. Em vez de mascarar os resultados, a gestão municipal os tornou públicos, chamou a comunidade para o debate e definiu uma meta simples, clara e mensurável: alfabetizar 100% das crianças até o final do 2º ano.

Esse foco radical num problema real — e não em intenções genéricas — consolidou um modelo de gestão que depois seria reconhecido como aplicação concreta da metodologia PDIA (Adaptação Iterativa Orientada por Problemas), desenvolvida pela Universidade de Harvard. Você pode acessar o artigo completo da RISE que detalha essa abordagem aqui.

As reformas estruturantes que moldaram a experiência de Sobral

Entre 2000 e 2001, três grandes reformas mudaram a lógica da educação em Sobral:

1. Reestruturação da rede escolar

De 96 escolas, o município reduziu para 38, concentrando alunos em unidades com melhor infraestrutura e garantindo transporte escolar. Isso permitiu eliminar turmas multisseriadas e organizar o trabalho pedagógico de forma mais eficaz.

2. Antecipação da alfabetização

Com a aprovação da Lei Municipal nº 294/2001, Sobral antecipou o ingresso no ensino fundamental para os 6 anos, o que deu um ano a mais de exposição à alfabetização — política nacionalizada apenas em 2006.

3. Profissionalização da gestão escolar

Diretores passaram a ser escolhidos por mérito, não por indicação política. Cerca de mil professores foram dispensados por não atenderem aos critérios técnicos. Em seu lugar, um novo plano de carreira docente trouxe estabilidade e exigência de qualidade.

Os quatro pilares pedagógicos do sucesso de Sobral

A base estrutural abriu caminho para um sistema focado em aprendizagem, sustentado por quatro pilares que se retroalimentam em ciclos curtos:

1. Avaliação externa com foco pedagógico

As avaliações semestrais deixaram de ser instrumento de ranqueamento para se tornarem ferramentas de gestão. Elas orientavam intervenções, direcionavam formações e geravam relatórios detalhados com metas claras por escola e por turma.

2. Currículo estruturado e focado

Com foco em alfabetização, leitura e matemática, o currículo foi reorganizado com progressão didática clara, materiais estruturados e roteiros de aula com objetivos definidos. A máxima interna passou a ser: “aprendizagem para todos, ao mesmo tempo, em todas as escolas”.

3. Formação docente contínua e conectada à prática

A formação era mensal, baseada nos próprios dados da rede e conduzida por técnicos da Secretaria. Professores mais experientes eram alocados nas turmas de alfabetização, e havia tutoria entre pares e banco de boas práticas.

4. Gestão escolar com autonomia e responsabilidade

Diretores passaram a liderar pedagogicamente suas escolas, com apoio contínuo da Superintendência Escolar — instância da SME que promovia escuta ativa, visitas regulares e apoio técnico intensivo.

Resultados concretos da experiência de Sobral

Sobral não apenas subiu no IDEB — saltando de 1.366º lugar (2005) para o 1º (2017) —, como o fez com equidade, eficiência e qualidade em larga escala:

  • 84% dos alunos com desempenho adequado em leitura e matemática na ANA 2016.

  • Mais de 60% dos alunos nos níveis mais altos da escala de Língua Portuguesa do SAEB.

  • Queda da evasão para menos de 2% e virtual eliminação da distorção idade-série.

  • Custo anual por aluno menor que a média nacional (R$ 5.553 vs. R$ 8.705 em 2019).

Cinco lições práticas para gestores escolares

Ao analisar o caso de Sobral, podemos extrair cinco princípios aplicáveis a gestores escolares em diferentes contextos:

1. Comece com um problema real — e encare os dados

Antes de pensar em metas grandiosas ou soluções sofisticadas, é preciso compreender profundamente qual é o desafio que está diante da rede ou da escola. Sobral não partiu de um plano idealizado, mas sim da constatação de que quase metade de suas crianças não estavam sendo alfabetizadas. Essa decisão de enfrentar a realidade, sem maquiar os resultados, permitiu o direcionamento de esforços para um problema concreto, com base em dados e não em percepções subjetivas. Sem esse diagnóstico honesto, dificilmente a política educacional teria alcançado tamanha coerência.

2. Defina metas simples, públicas e mensuráveis

Uma das marcas da política educacional de Sobral foi a clareza com que sua meta foi comunicada: alfabetizar todas as crianças até o final do 2º ano. Essa simplicidade aparente é, na verdade, um exercício rigoroso de definição de prioridades. Ao tornar a meta pública, a gestão construiu um pacto com toda a comunidade escolar, envolvendo professores, famílias e gestores em torno de um objetivo comum e verificável. Evitar metas genéricas e adotar alvos objetivos e mensuráveis permite alinhar esforços e monitorar o progresso com transparência.

3. Invista pesado nos anos iniciais

A trajetória escolar de qualquer estudante é profundamente afetada pela qualidade da alfabetização que ele recebe. Em Sobral, essa compreensão resultou em uma priorização concreta: os anos iniciais passaram a contar com os professores mais experientes, com maior apoio pedagógico, mais formação e monitoramento frequente. Esse investimento intencional nos primeiros anos não foi apenas simbólico, mas estruturante. Ao garantir que as crianças aprendessem a ler com fluência até os 7 anos, a rede evitou o acúmulo de defasagens e criou as condições para uma escolarização mais consistente ao longo dos anos seguintes.

4. Forme diretores como líderes pedagógicos

Em muitos sistemas, a figura do diretor escolar ainda está atrelada a uma função predominantemente administrativa ou política. Sobral rompeu com esse paradigma ao transformar os gestores escolares em líderes pedagógicos com responsabilidades claras sobre os resultados de aprendizagem. Isso exigiu não apenas a mudança dos critérios de seleção, mas também a criação de estruturas de apoio, como a Superintendência Escolar, que promoveu escuta, orientação técnica e acompanhamento regular. A liderança pedagógica eficaz não nasce espontaneamente: ela precisa ser cultivada com formação, confiança e suporte institucional.

5. Avaliação não é punição — é ferramenta de gestão

Talvez uma das mudanças culturais mais profundas implementadas em Sobral tenha sido a compreensão da avaliação como um mecanismo de melhoria contínua, e não como uma ferramenta de punição. Os dados gerados pelas avaliações externas serviam para orientar formações, identificar boas práticas, replanejar intervenções e distribuir apoio de forma mais precisa. Ao adotar esse olhar formativo, o município conseguiu criar um ambiente em que o erro não era ocultado, mas sim estudado, e onde a aprendizagem institucional acontecia com base em evidências, ciclos curtos e escuta ativa.

O verdadeiro legado de Sobral

Sobral não é modelo a ser copiado — mas é prova de que excelência educacional é possível, mesmo em contextos adversos, quando se combina intencionalidade política, coerência técnica e coragem de enfrentar o problema certo. E a maior lição talvez seja a pergunta que ecoa no final do vídeo que inspirou este artigo:

Se eles conseguiram… por que nós ainda não conseguimos?

Gostou deste conteúdo?
Leia também outros artigos da Evolucional sobre avaliação diagnóstica, gestão pedagógica com dados e práticas baseadas em evidências. Vamos juntos transformar a educação pública brasileira.

 

Compartilhar

Copiar link para área de transferência

Copiar